Em 1891, o arqueólogo
algarvio Estácio da Veiga, escrevia que “…a
mina da Juliana mostra porém ter sido primitivamente explorada n’uma ephoca em
que o estanho da região alentejana já era aproveitado (…) pois no interior
d’ella e em muita profundidade foram encontrados alguns machados e uns escopos
de bronze…”. Por isso, afirmava “…a
mina da Juliana deve ser portanto considerada como estação da idade do bronze” (Antiguidades
Monumentaes do Algarve, vol. IV, págs 210 e 211). Estas afirmações eram
acompanhadas por desenhos das peças, efectuados pelo próprio.
Algumas décadas depois,
outro arqueólogo, Abel Viana deu-nos a conhecer um vasto conjunto de cistas (sepulturas formadas por quatro lajes em
pedra, cobertas por uma outra, maior e mais grossa, por vezes com imagens
gravadas) da Idade do
Bronze final (cerca do século X a.C, ou seja, há mais ou menos 3000 anos). Segundo
ele e Fernando Nunes Ribeiro, seu companheiro nessas deambulações, "essas
sepulturas são(...) muitos abundantes no sul do País, mas é precisamente no
concelho de Beja (...) muito principalmente na zona ocidental (freguesias de
Ervidel, Santa Vitória e Mombeja) que estas sepulturas abundam e que, por outro
lado, espólios mais notáveis têm fornecido." (Arquivo de Beja, vol. XIII, 1956, pág. 157).
Por este motivo, Abel Viana várias vezes se deslocou a locais
da freguesia de Santa Vitória, chamado para ver sepulturas, encontradas durante os trabalhos
agrícolas, como aconteceu em Janeiro de 1943, no Monte do Ulmo, ou em Dezembro
de 1949, no Monte da Corte d’Azinha (ambos entre essa aldeia e a Mina da
Juliana). Para além das lajes gravadas (a mais conhecida é a chamada “estela da
Pedreirinha”) são de destacar os vasos do tipo “cerâmica de Santa Vitória” que,
tal como a estela se encontram no Museu Regional de Beja (coleção Fernando
Nunes Ribeiro).
A
existência deste grande conjunto de vestígios da Idade do Bronze, não
significava, no entanto, para estes dois arqueólogos, a exploração mineira a
que Estácio da Veiga se refere: “… nada
permite concluir em prol da relacionação destas cistas com as minas de cobre”
(ibidem). Esta tese tem vindo,
ao longo dos anos, a ser contrariada e, fruto de trabalhos realizados mais
recentemente, é possível estabelecer essa relação : “A forte capacidade de
atração desta região para a fixação das comunidades da Idade do Bronze
dever-se-á à existência de uma combinação de diferentes tipos de recursos
básicos proporcionados pelos solos de elevada capacidade agrícola e também pela
facilidade de acesso a zonas mineiras [onde se inclui, naturalmente, a Mina
da Juliana]” (C.Bottaini, M.Serra e E.
Porfírio, Metais da Idade do Bronze do Museu de Beja - http://www.academia.edu/3782859
).
Em relação à época romana, não há muitos elementos que
nos falem da exploração mineira na Mina da Juliana, mas o mais natural é que
tal tenha acontecido, dado que esse local se integra na Faixa Piritosa Ibérica
e que se conhece a presença desse povo na Mina de São Domingos ou em Aljustrel,
tendo-nos, neste último caso, deixado as famosas Tábuas de Bronze de Vipasca.
Num estudo de Maria da Luz Oliveira ( Copper
Ores and Settlements in the South of Portugal -http://www.academia.edu/2387747 ), é citado o
“Catálogo Descritivo da Secção de Minas da Exposição Industrial Portuguesa de
1888”, onde, entre outras, se refere a Mina da Juliana (designada como Cova
Redonda ) como sendo uma das exploradas pelos romanos no distrito de Beja. A
mesma autora refere ainda que, quando em 1872 se deu início à exploração
mineira, esta tem lugar “onde os romanos deixam traços da sua passagem” (pág.
6).
Sobre o período romano, citemos ainda uma hipótese de
Maria da Conceição Lopes. Em nota de rodapé na sua obra “A cidade romana de
Beja”, esta investigadora sugere que “… a
via [de Pax Iulia a Vipasca] poderia passar um pouco a sul de Ervidel e Santa
Vitória, indo pela Mina da Juliana” (pág. 82). Como a própria afirma, sobre
esta via “nada sabemos”, referindo também a hipótese de Jorge Alarcão, que faz
passar essa estrada por Santa Vitória.
De resto, para além desta referência, esta obra, que é
a dissertação de Doutoramento da autora, no final de 2000, não inclui qualquer
indicação sobre a exploração mineira na Mina da Juliana, nem a aponta na Carta
geral dos sítios arqueológicos que integra o livro (ainda que a menção à passagem
da estrada nesse local possa pressupor essa exploração).
É na segunda metade do século XIX que, fruto da
Regeneração e do Fontismo, se vai dar um incremento nos transportes e na
industrialização do País. Verifica-se, então, aquilo a que se designa por
“febre mineira”, com a atribuição de milhares de concessões por todo o
território, incluindo, naturalmente, Beja (em 1865 estavam registadas 461 minas
neste distrito).
Assim, através duma publicação de 1963, da Direcção
Geral de Minas e Serviços Geológicos, intitulada “Minas concedidas no
continente desde Agosto de 1836 a Dezembro de 1962”, sabemos que, entre 1865 e
1924 foram concedidas 28 licenças para exploração de minas no concelho de Beja,
das quais onze na freguesia de Santa Vitória, igual número em Albernoa, quatro
nas Neves e duas na Trindade, sendo a grande maioria de manganês. Em Santa
Vitória apenas duas eram de cobre, a já citada Cova Redonda (Juliana),
concessionada em 1872 e a Juliana nº 1, em 1910. Nesta freguesia a última
concessão, da Pedra Furada, deu-se em 1924.
A concessão
de licenças para a exploração das minas, não significou, no entanto, um
significativo acréscimo do operariado mineiro no concelho de Beja. No Anuário
Estatístico de Portugal, de 1885, citado na
obra de João Carlos Garcia “A navegação no Baixo Guadiana durante o ciclo do
minério” (1996), havia apenas 113 mineiros, dos quais 57 homens, 24 mulheres e
(típico da época) 32 menores. Nada que se compare com os 390 mineiros de
Barrancos ou os 2855 de Mértola, neste último caso fruto da grande expansão da
Mina de São Domingos (pág. 157)
É
nesta altura que surge um nome, de que se irá falar na aldeia da Mina da
Juliana até ao encerramento da sua última mina. Trata-se de “Alonso Gomes, filho de um emigrado espanhol,
que a partir de muitos e complicados negócios no sector mineiro terminará
abastado proprietário urbano e latifundiário, armador e empresário, comerciante
em vários ramos” (ibidem, pág. 154).
Para
além de minas no concelho de Mértola (onde residia), como a da Cruz do Peso
(Alcaria), concedida em 1883, possuía ainda muitas outras concessões, em Castro
Verde (Ferragudo), Aljustrel (Serra dos Feitais), Beja (Herdade do Vilar) ou
mesmo em Gondomar, no norte do País. Com vista ao transporte do minério,
iniciou, em 1870, uma ligação, pelo Guadiana, entre Mértola e Vila Real de
Santo António que, face ao sucesso que teve, deu origem a uma carreira regular
de mercadorias e passageiros entre essas duas localidades. Mais tarde, por
solicitação do governo, iniciou “…um serviço de navegação regular, entre Lisboa e portos no Algarve, com
escala em Sines…” criando
a uma
companhia de navegação, proprietária de oito navios, todos eles baptizados de
“Gomes”, que viria a terminar em 1905, após o falecimento do seu fundador, um
ano antes (http://naviosenavegadores.blogspot.pt/ , 24 Março
2008).
Data
do início do século XX a fundação da povoação que iria albergar os mineiros e
as suas famílias. A designação Mina da Juliana teve a ver com o facto de estar
localizada na herdade com o mesmo nome, que também deu, como vimos, nome a
algumas das minas também aí situadas. Vista de cima, o seu núcleo central bem
poderia ser um bairro mineiro de Aljustrel ou de São Domingos, tal o rigor
geométrico com que as suas casas foram construídas (foto de Mariano Martins, em
2009).
A
exploração mineira terminou quase totalmente nas duas primeiras décadas do
século XX. Só uma das minas, a do Vilar, situada na outra margem da ribeira dos
Louriçais, propriedade da firma Alonso Gomes, Herdeiros, sobreviveu até 1964.
Com o seu encerramento, alguns dos mineiros foram ainda trabalhar para uma das
poucas minas de manganês que sobrevivia na vizinha freguesia de Albernoa, muitos
seguiram para outras partes do País e do estrangeiro.
A resistência dos habitantes
da Mina da Juliana será objecto da segunda parte deste trabalho, a publicar na
próxima semana.
25 Abril |
Machado do bronze da Mina da Juliana
Museu Regional de Beja.
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Foto de Mariano Martins - 2009 |