Nem o próprio Ilídio
sonhava, mas a sua (curta e rica) carreira de ciclista, começa aos quinze anos
quando, para fugir ao duro trabalho do campo, pedala diariamente, nos dois
sentidos, os dezassete quilómetros que separam a sua terra natal, Santa
Vitória, de Beja, onde ele aprenderá o ofício de mecânico auto, que acompanhará ao longo da sua vida.
Com o esses treinos
diários e a sua natural aptidão física, não admira, por isso, que em 1956, com
apenas dezassete anos, tivesse ingressado na equipa da Casa do Povo do Penedo
Gordo ( na época, um baluarte do ciclismo popular, tendo sido três anos
consecutivos campeã nacional “corporativa”,
nas provas da FNAT).
As suas qualidades deram nas
vistas, tendo o Diário do Alentejo escrito que, logo nessa primeira época,
“…como estreante na 1ª categoria constitui já uma revelação…”.
Em 1957, para além de vencer várias provas em que participou, foi
campeão nacional por equipas da FNAT, numa prova realizada em Coimbra, em que
ficou classificado em terceiro lugar.
No ano seguinte ingressa no Ateneu Comercial de Beja, clube que
participava em provas federativas e, em Março, é campeão distrital de
iniciados, sendo apurado para o nacional, disputado quinze dias depois, em
Lisboa. Aqui, o azar bateu-lhe à porta e, já na parte final da prova, quando
seguia no pelotão da frente, uma roda da bicicleta no carril do eléctrico fê-lo
cair e perder a oportunidade de lutar pelos lugares cimeiros.
Nesta altura, já o Benfica estava de olho nele, pelo que a sua
passagem pelo Ateneu foi muito curta: em Abril de 1958 estava a correr pelo
clube da capital, iniciando uma carreira vitoriosa. Como era referido numa
entrevista da revista Benfica Ilustrado, de Junho de 1959, nesses dois
primeiros anos com a águia ao peito, ganhara oito títulos nacionais, individuais e
por equipas, nas categorias de iniciado, junior e sénior.
Aí se escrevia que “…
alentejano por nascimento e benfiquista por convicção, é a mais radiosa
promessa do nosso ciclismo…”
No ano de 1960 sobe à
categoria de “independente” ( equivalente a profissional ) e, para além de
outras vitórias, consegue conquistar, por um dia, a camisola amarela da
primeira Volta a Portugal em que participa.
Os dois anos seguintes
são os da sua confirmação e consagração : em 1961, com apenas 22 anos, é
campeão nacional de fundo, batendo os principais ciclistas da altura,
nomeadamente o grande Alves Barbosa, “… chegado há dias de França, depois da
sua brilhante actuação no Paris-Nice e que era dado com presumível vencedor
indiscutível…” (Diário Ilustrado).
1962 terá sido o ano mais
brilhante na carreira de Ilídio do Rosário : para além de ter envergado a
camisola amarela da Volta durante três etapas, vence a Volta ao Algarve, participa
na Volta à Andaluzia pelo Benfica e na Volta à Espanha pela selecção nacional.
É numa das etapas em que enverga a camisola amarela que
Ilídio revela a sua valentia, relatada assim pelo jornal Record, no dia 7 de
Agosto : “A entrada na pista de Alpiarça foi feita por um pelotão de 51
unidades. No meio vinha o camisola amarela, quando uma reboada ecoou no
estádio: um grupo de corredores caíra. Um deles foi Ilídio do Rosário que se
levantou de pronto e com espírito de luta correu com a bicicleta à mão até à
meta.” Mesmo com esse azar,
consegue manter-se em primeiro lugar.
Ilídio do Rosário termina
a sua carreira em 1963, ao serviço do Sangalhos, para onde se transferira,
desgostoso com certas situações ocorridas no seu clube do coração. Nesse ano
consegue um quinto lugar na clássica Porto-Lisboa mas, para desgosto do muito
público que assistia ao final da etapa Portalegre-Beja (onde tinha para lhe
oferecer um ”envelope mistério”), no dia 10 de Agosto, já ele havia desistido, na
que terá sido a sua última prova como ciclista.
Em 1964 emigra para França
e depois para o Canadá, estando fora do País durante cinco anos. No regresso,
estabelece-se no concelho de Sintra, onde reside e trabalha até ao fim da sua
vida, como mecânico auto.
O “bichinho” do ciclismo
não o havia largado definitivamente e, em 1976, como treinador do Benfica, vê
um seu ciclista, Firmino Bernardino vencer a Volta a Portugal. Alguns anos
depois, em 1982, é Vice-Presidente do Conselho Técnico da Associação de
Ciclismo do Sul.
No dia 11 de Dezembro de
1992, o Diário do Alentejo dá conta da morte de Ilídio do Rosário, ocorrida no
dia 29 do mês anterior, no hospital de Cascais. Nesse artigo podia ler-se :
“Respeitado e admirado por colegas e adversários e pelos cordões de povo
anónimo que o viram correr por essas estradas fora, Ilídio do Rosário (…) teve
um impressionante cortejo fúnebre…”
No ano em que passavam
dez anos da sua morte, em 1 de Junho de 2002, a Junta de Freguesia de Santa
Vitória e a Câmara Municipal de Beja quiseram perpetuar a sua memória,
atribuindo o seu nome a uma rua da aldeia onde nascera, precisamente no local
onde era, nesse mesmo dia, inaugurado o polo da Biblioteca Municipal.
E foi também para
homenagear este grande ciclista que a Associação Ciclocrescente ( de que o
Diário do Alentejo já falou, no passado dia 20 de Julho) resolveu organizar, no próximo dia 30,
domingo, o I Passeio de Cicloturismo Ilídio do Rosário. Paralelamente, será
inaugurada nesse dia, na Junta de Freguesia, uma exposição documental, que
estará aberta ao público até ao dia 7 de Outubro.
Uma oportunidade para os
mais velhos recordarem um dos seus ídolos, que os mais novos apenas conhecem de
nome. Nos numerosos artigos e fotografias de jornais da época, nas camisolas
que envergou como campeão, nas medalhas que ganhou e em diversas outras recordações,
todos poderão testemunhar a sua carreira.
Se nos lembrarmos, por
exemplo, que o maior ciclista nacional de todos os tempos, Joaquim Agostinho
começou a correr aos vinte e cinco anos de idade, poderemos afirmar que, ao
abandonar o ciclismo com apenas vinte e quatro e, não obstante todos os seus
triunfos, Ilídio do Rosário, com a sua raça de campeão, terá passado ao lado de
uma brilhante carreira.
28 Junho |