quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Ilídio do Rosário – Raça de Campeão


Nem o próprio Ilídio sonhava, mas a sua (curta e rica) carreira de ciclista, começa aos quinze anos quando, para fugir ao duro trabalho do campo, pedala diariamente, nos dois sentidos, os dezassete quilómetros que separam a sua terra natal, Santa Vitória, de Beja, onde ele aprenderá o ofício de mecânico auto, que acompanhará ao longo da sua vida.
Com o esses treinos diários e a sua natural aptidão física, não admira, por isso, que em 1956, com apenas dezassete anos, tivesse ingressado na equipa da Casa do Povo do Penedo Gordo ( na época, um baluarte do ciclismo popular, tendo sido três anos consecutivos campeã nacional “corporativa”,  nas provas da FNAT).
As suas qualidades deram nas vistas, tendo o Diário do Alentejo escrito que, logo nessa primeira época,
“…como estreante na 1ª categoria constitui já uma revelação…”.
Em 1957, para além de vencer várias provas em que participou, foi campeão nacional por equipas da FNAT, numa prova realizada em Coimbra, em que ficou classificado em terceiro lugar.
No ano seguinte ingressa no Ateneu Comercial de Beja, clube que participava em provas federativas e, em Março, é campeão distrital de iniciados, sendo apurado para o nacional, disputado quinze dias depois, em Lisboa. Aqui, o azar bateu-lhe à porta e, já na parte final da prova, quando seguia no pelotão da frente, uma roda da bicicleta no carril do eléctrico fê-lo cair e perder a oportunidade de lutar pelos lugares cimeiros.
Nesta altura, já o Benfica estava de olho nele, pelo que a sua passagem pelo Ateneu foi muito curta: em Abril de 1958 estava a correr pelo clube da capital, iniciando uma carreira vitoriosa. Como era referido numa entrevista da revista Benfica Ilustrado, de Junho de 1959, nesses dois primeiros anos com a águia ao peito,  ganhara oito títulos nacionais, individuais e por equipas, nas categorias de iniciado, junior e sénior.
Aí se escrevia que “… alentejano por nascimento e benfiquista por convicção, é a mais radiosa promessa do nosso ciclismo…”
No ano de 1960 sobe à categoria de “independente” ( equivalente a profissional ) e, para além de outras vitórias, consegue conquistar, por um dia, a camisola amarela da primeira Volta a Portugal em que participa.
Os dois anos seguintes são os da sua confirmação e consagração : em 1961, com apenas 22 anos, é campeão nacional de fundo, batendo os principais ciclistas da altura, nomeadamente o grande Alves Barbosa, “… chegado há dias de França, depois da sua brilhante actuação no Paris-Nice e que era dado com presumível vencedor indiscutível…” (Diário Ilustrado).
1962 terá sido o ano mais brilhante na carreira de Ilídio do Rosário : para além de ter envergado a camisola amarela da Volta durante três etapas, vence a Volta ao Algarve, participa na Volta à Andaluzia pelo Benfica e na Volta à Espanha pela selecção nacional.
É numa das etapas em que enverga a camisola amarela que Ilídio revela a sua valentia, relatada assim pelo jornal Record, no dia 7 de Agosto : “A entrada na pista de Alpiarça foi feita por um pelotão de 51 unidades. No meio vinha o camisola amarela, quando uma reboada ecoou no estádio: um grupo de corredores caíra. Um deles foi Ilídio do Rosário que se levantou de pronto e com espírito de luta correu com a bicicleta à mão até à meta.”  Mesmo com esse azar, consegue manter-se em primeiro lugar.
Ilídio do Rosário termina a sua carreira em 1963, ao serviço do Sangalhos, para onde se transferira, desgostoso com certas situações ocorridas no seu clube do coração. Nesse ano consegue um quinto lugar na clássica Porto-Lisboa mas, para desgosto do muito público que assistia ao final da etapa Portalegre-Beja (onde tinha para lhe oferecer um ”envelope mistério”), no dia 10 de Agosto, já ele havia desistido, na que terá sido a sua última prova como ciclista.
Em 1964 emigra para França e depois para o Canadá, estando fora do País durante cinco anos. No regresso, estabelece-se no concelho de Sintra, onde reside e trabalha até ao fim da sua vida, como mecânico auto.
O “bichinho” do ciclismo não o havia largado definitivamente e, em 1976, como treinador do Benfica, vê um seu ciclista, Firmino Bernardino vencer a Volta a Portugal. Alguns anos depois, em 1982, é Vice-Presidente do Conselho Técnico da Associação de Ciclismo do Sul.
No dia 11 de Dezembro de 1992, o Diário do Alentejo dá conta da morte de Ilídio do Rosário, ocorrida no dia 29 do mês anterior, no hospital de Cascais. Nesse artigo podia ler-se : “Respeitado e admirado por colegas e adversários e pelos cordões de povo anónimo que o viram correr por essas estradas fora, Ilídio do Rosário (…) teve um impressionante cortejo fúnebre…”
No ano em que passavam dez anos da sua morte, em 1 de Junho de 2002, a Junta de Freguesia de Santa Vitória e a Câmara Municipal de Beja quiseram perpetuar a sua memória, atribuindo o seu nome a uma rua da aldeia onde nascera, precisamente no local onde era, nesse mesmo dia, inaugurado o polo da Biblioteca Municipal.
E foi também para homenagear este grande ciclista que a Associação Ciclocrescente ( de que o Diário do Alentejo já falou, no passado dia 20 de Julho)  resolveu organizar, no próximo dia 30, domingo, o I Passeio de Cicloturismo Ilídio do Rosário. Paralelamente, será inaugurada nesse dia, na Junta de Freguesia, uma exposição documental, que estará aberta ao público até ao dia 7 de Outubro.
Uma oportunidade para os mais velhos recordarem um dos seus ídolos, que os mais novos apenas conhecem de nome. Nos numerosos artigos e fotografias de jornais da época, nas camisolas que envergou como campeão, nas medalhas que ganhou e em diversas outras recordações, todos poderão testemunhar a sua carreira.
Se nos lembrarmos, por exemplo, que o maior ciclista nacional de todos os tempos, Joaquim Agostinho começou a correr aos vinte e cinco anos de idade, poderemos afirmar que, ao abandonar o ciclismo com apenas vinte e quatro e, não obstante todos os seus triunfos, Ilídio do Rosário, com a sua raça de campeão, terá passado ao lado de uma brilhante carreira.

28 Junho






1 comentário:

  1. Via esse poster icónico do Ilidio do Rosário quando, nos meus tempos de menino e adolescente, ia regularmente ao barbeiro da minha terra, um apaixonado por ciclismo também, despontar o cabelo. Estava mesmo na nossa frente a encimar o espelho. Um grande ciclista. Isaías.

    ResponderEliminar