No ano de 1948, uma jovem professora deslocava-se para a
Mina da Juliana, onde ensinava na escola primária, através de difíceis caminhos
rurais que atravessavam montados e barrancos, num carro de mulas puxado pelo
seu ainda mais jovem irmão [uma nota pessoal: a professora era minha tia e seu
irmão meu pai]. Somente no ano seguinte, 1949, se dá início à construção da
estrada municipal entre a Mina e Santa Vitória, sede da freguesia, minimizando
o isolamento dos habitantes dessa aldeia.
Não durou vinte anos, essa estrada. A construção da Barragem
do Roxo, levou a que tivesse de ser desenhada uma outra, um pouco mais extensa
e com um traçado menos reto, já que a primeira seria “engolida” pelas águas,
tal como a sua primeira ponte, junto a Santa Vitória e o Monte da Corte Ripais,
que ficava bem perto e que foram ambos submergidos. No caso do monte, foi mesmo
construído um novo, um pouco mais acima do anterior.
O súbito enchimento da barragem, em 1968 não poupou a Mina
da Juliana. Não de uma forma tão radical e dramática como algum tempo depois,
em Vilarinho das Furnas, e mais recentemente na Aldeia da Luz, uma parte da
aldeia foi invadida e as suas casas destruídas pelas águas. Alguns dos habitantes
foram alojados em casas de familiares, outros em tendas do exército que tiveram
de ser instaladas no local, outros optaram por deixar a sua terra e procurar
nova vida, em Portugal ou no estrangeiro.
Depois do encerramento da quase totalidade das minas, era
mais um rude golpe na vida dos habitantes dessa pequena e isolada localidade,
que via muitos dos seus filhos sairem para enfrentar o futuro noutras paragens.
Mas, tal como no resto do País, a Mina da Juliana “renasceu”
em 1974, com o 25 de Abril e a liberdade conquistada. E, principalmente, com a
implantação de um poder local novo, democrático, e que vai contribuir para que
as pequenas comunidades não desapareçam do mapa, destino a que estavam
condenadas no tempo da ditadura.
Terá sido um dos momentos mais emocionantes que vivi, logo após
a implantação da democracia, a ligação da luz elétrica na Mina Juliana, em
1976. Todos os presentes, começando pelos seus habitantes, os que se tinham
deslocado propositadamente para assistir aquele momento histórico (como eu), os
novos autarcas (recordo sobretudo o José Carlos Colaço, primeiro presidente da
Câmara de Beja democrática), viveram de forma intensa e emocionada, os
primeiros raios de luz que saíam dos candeeiros que passavam a iluminar aquelas
ruas e das portas e janelas das habitações até então iluminadas a petróleo.
Ainda fruto do 25 de Abril, os habitantes da Mina da
Juliana, tal como milhares de outros do Alentejo, depositaram, mais tarde, as suas esperanças
na Reforma Agrária, concretizada com a formação da UCP Vanguarda do Alentejo,
sedeada em Santa Vitória, mas que incluía algumas grandes propriedades
próximas, como a Faleira ou a Malhada. Uma população que, nas eleições
realizadas após o 25 de Abril, sempre votou maioritariamente à esquerda, via
nessa transformação revolucionária, uma janela de esperança para uma vida
melhor e para uma aldeia mais desenvolvida e com melhores condições para todos.
Com o fim da Reforma Agrária, verifica-se uma nova vaga de
emigração, interna e externa, de muitos trabalhadores que perderam o seu
trabalho. Mais um conjunto de “mineiros” que engrossa uma diáspora que se
espalha pela Europa (França), América (Canadá) e pelo nosso País (curiosa é a
existência de uma significativa colónia de originários da Mina da Juliana, em
Praias do Sado, no Concelho de Setúbal).
Não obstante esta sangria que se tem verificado ao longo de
décadas, a população da Mina da Juliana, ainda que vá diminuindo, a exemplo do
que acontece um pouco por todo o interior, tem dado provas de uma resistência
que deve ser enaltecida e que tem evitado o fim da localidade, quer quando se
verificou o fim da atividade mineira, quer quando as águas da barragem
destruíram casas e outras construções destinadas a várias atividades
económicas.
Essa resistência tem sido reconhecida pelos órgãos do poder
local – Câmara Municipal e Junta de Freguesia – e, graças a esse
reconhecimento, a Mina da Juliana teve nas últimas décadas a valorização que os
seus habitantes merecem : o abastecimento de água e o saneamento básico, as
ruas asfaltadas, o centro de convívio e o posto médico, o parque infantil e até
um campo de futebol (quando, na década
de 80 do século passado, as águas da barragem recuaram drasticamente e os
jovens da terra quiseram – e conseguiram – participar no campeonato distrital
do INATEL). O problema a seguir foi quando a barragem voltou a encher,
inundando o campo, deixando apenas metade das balizas à vista.
Por outro lado, foi a construção do importante complexo agro
turístico nas imediações que trouxe uma outra aspiração: a construção da
estrada até Albernoa e ao IP2, até então um caminho de terra batida sem
condições e que hoje liga as três localidades (Albernoa, Mina (e Monte) da
Juliana e Santa Vitória), uma aspiração de décadas, permitindo o fluxo dos
residentes, visitantes e turistas.
Mesmo com a escola encerrada e com as crianças a terem de se
deslocar para a escola do 1º ciclo de Santa Vitória, a Mina da Juliana tem a
possibilidade de receber a Biblioteca Andarilha que, a partir da
“biblioteca-mãe” aí se desloca duas vezes por mês, levando os livros, os
jornais, a cultura e, sobretudo o afeto, para combater o isolamento.
E é para comemorar
esse espírito de resistência e de amor à sua terra, que os residentes e os
naturais que vivem fora, organizam, de há alguns anos a esta parte, um
encontro, onde convivem, se divertem e, sobretudo, se reencontram, ao fim de
muitos anos de afastamento. Costuma ser em Agosto e é divulgado no grupo de
amigos criado no Facebook , onde basta procurar por Mina da Juliana.
Não será, por isso, por acaso, que na excelente reportagem
publicada em maio de 2013 neste mesmo jornal, da autoria de Bruna Soares e com
as fotos do José Serrano ( http://da.ambaal.pt/noticias/?id=3170 ), que para além da reivindicação da reparação da
estrada para a sede da freguesia se exige “uma ligação à Internet rápida,
para que, assim, se possa quebrar um pouco o isolamento”. Em nome da história
da Mina. Em homenagem à resistência dos seus habitantes, antigos a atuais.
2 de Maio |
Traçado da estrada Santa Vitória-Mina da Juliana
Arquivo Fotográfico Municipal
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Trabalhos de construção da estrada (1949)
Arquivo Fotográfico Municipal
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A invasão das águas da barragem Foto : Diário do Alentejo - 1971 |
Campo de futebol inundado Boletim Municipal de Beja - 1996 |