terça-feira, 22 de março de 2011

A Barragem do Roxo

Tinha 6 ou 7 anos, quando comecei a ouvir falar da barragem. Um misto de expectativa, curiosidade, entusiasmo e receio era o que provocava a notícia do grande lago artificial que iria ser construído ali mesmo, ao pé da aldeia, alimentado pela ribeira que a atravessa.
O receio era infundado, descobri uns anos mais tarde : é que, influenciado por histórias que ouvira sobre barragens que rebentavam e inundavam campos, aldeias e tudo o que os rios de água acumulados encontravam à sua frente, pensei que, se um dia isso acontecesse com a nova barragem, Santa Vitória iria desaparecer do mapa. Afinal, nada disso aconteceria, já que a aldeia estava a montante e não a juzante do paredão, coisas que a minha tenra idade não me permitia distinguir.
A barragem foi inaugurada em 1968 e o seu enchimento foi  vertiginoso.  Centenas de árvores ficaram à vista, por não terem sido retiradas a tempo, o Monte da Corte Ripais ficou submerso, tendo sido construído um novo, a alguma distância. Foi construída uma nova estrada para a Mina da Juliana (também parcialmente “engolida”  pelas águas) e a ponte da estrada velha deixou de se ver.
O mais surpreendente e inesperado desta barragem, foi o facto de as suas águas terem chegado mesmo à aldeia, invadindo quintais e hortas, entrando até pela oficina do “Mestre” Eugénio. Era um enorme lago, que começava junto à ponte e se espraiava pelos vales, até ao paredão que sustinha aquele volume gigantesco de água.

O meu pai e mais seis amigos construíram um “barco” a partir de bidons metálicos, a que juntaram um motor. Baptizaram-no, com o sugestivo nome de “Sete Viúvas”. Nele se fizeram autênticos “cruzeiros” por aquela imensa albufeira. Num deles, seja pela ondulação que o vento provocou, seja pela falta de jeito do “mestre”, o “navio” foi desviado da rota e empurrado literalmente contra o Olival do Beirão, lá mais para os lados de Ervidel. Lá andámos, por entre choros e gritos, a bater de oliveira em oliveira (daquelas que tinham ficado à vista), até o “Sete Viúvas”  se imobilizar. Algumas horas depois, com a acalmia das águas, conseguimos voltar a Santa Vitória, onde chegámos já a noite se aproximava, com as famílias em alvoroço ( a maioria dos passageiros era formada por jovens e algumas crianças ).
A Barragem do Roxo veio aumentar a prática de vários desportos ( que já existiam na ribeira ), nomeadamente a natação e a pesca. Para as suas águas foi lançado uma espécie que rapidamente se multiplicou, pelas suas características predadoras : o achigã. De tão voraz que era, qualquer pescador, mesmo dos mais desajeitados, o conseguia capturar, com verdemã ou com amostra. Pescar exemplares cada vez maiores, passou a ser um feito desejado por pescador que se prezasse.

Santa Vitória, que já tinha um significativo número de bons caçadores (reais ou virtuais), passou a contar com um novo grupo de desportistas, os pescadores. Os jovens passaram a dedicar uma parte dos seus tempos livres, sobretudo nas férias grandes, a longas horas passadas junto às margens da barragem. Alguns locais, como junto à ponte do Monte da Figueirinha eram, ainda, óptimos para nadar, opção excelente nos quentes dias de Verão.
Alguns anos depois,  já depois do 25 de Abril, canalizações subterrâneas ligaram a barragem a Beja, possibilitando que a nossa aldeia passasse a ter água canalizada, um “luxo” há décadas sonhado.
Anos de seca provocaram grandes baixas no volume de água armazenado  e, a reparação de uma fenda surgida no paredão, quase a esvaziou.  Mas, melhores momentos estavam para chegar : a construção do Hotel Vila Galé e, mais recentemente, a ligação a Alqueva, vieram dar uma nova vida a esta parte importante do território da nossa freguesia, património das suas gentes desde 1968.


4 comentários:

  1. Zé,

    Parabéns pelo blog e tu como "memória" viva da nossa querida aldeia estás em óptimas condições para revelar estas "estórias" pitorescas. Lembro-me bem do ano de 1969, pois foi o ano em que fui viver para a aldeia e logo para a Rua do Saco. Portanto, o então quintal sofreu as consequências.

    João Rosa

    ResponderEliminar
  2. Obrigado, João.
    Espero que os nossos conterrâneos, que se encontram um pouco por todo o lado, gostem do que aqui se publicar.
    E, já agora, que participem na feitura do blogue, para que fique mais rico com as "estórias" que todos nós guardamos, da vida na nossa aldeia.
    Um abraço.
    Zé Filipe

    ResponderEliminar
  3. Um grande obrigado Zé por me fazeres recordar o " sete viuvas" ainda hoje se fala nessa "aventura" lá em casa que tempos... para os nossos pais. Bajocas da Eugenia

    ResponderEliminar
  4. Olá Eugénia. É verdade, foi, de facto, uma grande aventura, onde os nossos pais participaram e que nós acompanhámos com o entusiasmo próprio da infância.
    Beijinhos. Zé Filipe

    ResponderEliminar